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Uma crônica hospitalar

Eu preciso deixar isso registrado porque meu pai está impossível. Quando ele me pergunta a mesma coisa várias vezes no dia, é tranquilo. Tentar explicar algo? Impossível. Teve uma vez que meu filho estava falando comigo ao telefone eu já havia tentado explicar como era o pagamento do pacote Office e ele não entendia o funcionamento de cartão de crédito.
Meu filho: Você já explicou?
Eu comecei a chorar de não conseguir falar. Tive que passar o telefone para minha mãe.
Vamos ao hospital. Meu pai sentiu dor no peito e foi só para o hospital. Acho que eu estava atendendo. Enfim, eu e minha mãe ligando para ele. A loucura estava tamanha que dizia que estava na UTI. Minha mãe deu dinheiro, fui de Uber. Cheguei bem na hora que o médico foi vê-lo e esclareceu que era ansiedade. Perguntei qual era o sossega leão. Rivotril. Ok! Eu não sei dirigir carro automático e ele não tinha condições de dirigir. Sem dinheiro de volta e com a Rainha da Inglaterra (o apelido que dei ele porque tenho que parar tudo que estou fazendo para atendê-lo) Loka, decidi que poderíamos voltar a pé. Já de saída, resolveu fazer xixi na rua mesmo. Ok! Seguimos. Perguntou o caminho inteiro se ansiedade fazia o peito doer. Respondi a mesma coisa até chegar em casa: Sim. Expliquei porque ocorre a dor no peito.
Tudo que ele tinha que fazer era pegar o carro, certo? Ele pegou o carro? Não. Seguiu para o Pronto Socorro para descobrir o que ele tinha. Velho de quase 90 anos com queixa de dor no peito e voltando ao hospital horas depois de já ter sido medicado? Que vocês acham que aconteceu? Acertou quem disse que colocaram a Rainha da Inglaterra na UTI.
Acabou a saga aí? Claro que não. Os médicos resolveram que deveria ser feito um cateterismo e eu sou au pair (achei chique o nome francês para babá) dos velhos loucos. 
Ele dizia que ninguém faria cateterismo nele e que os médicos internaram ele para ganhar dinheiro. Não foi porque ele voltou ao hospital reclamando de dor no peito. Para encurtar um pouco a tragédia grega, convenceram a Rainha a fazer o cateterismo. Na troca de plantão dos enfermeiros, tinha um rapaz se apresentando como da equipe. Do nada:
_ Eu não vou fazer cateterismo.
O rapaz:
- Ah! O senhor é este caso.
Eu queria sumir. Fizeram o cateterismo. Tinha alguma coisa? Quase nada impedindo o fluxo de sangue. Foi para o quarto. Ele inventou que iria sair, que não precisava ficar lá, brigou com a enfermeira. Eu não sabia onde me enfiar.
Voltamos para casa e ele foi atrás de um cardiologista. Ele se recusa a tomar ansiolítico porque ansiedade não existe. Muito embora eu já tenha colocado um comprimido de Ansitec no café dele. 
Tem coisa que tento ignorar porque não tenho apenas um velho doido em casa. Minha mãe anda criando memórias falsas. No caso, ela toma o famoso Zolpidem. É o único remédio que a faz dormir. 

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